6 de dez. de 2006

Ao pó

Tenho verdadeira adoração por lugares abandonados e consumidos pelo tempo. Meu interesse de nada tem a ver com fantasmas e coisas macabras, afinal de contas uma garota "descrente" como eu não se preocupa com Gasparzinho. E essa atração é bem diferente de apreciar obras arquitetônicas antigas, com valor histórico reconhecido.

Tenho paixão por fábricas, casas, hospitais e afins. Construções fechadas há anos, com metais corroídos, paredes descascando, móveis deixados de lado. Pode soar estranho, mas esse meu gosto "diferente" já dura há tempos...

Há muitos e muitos anos atrás, (eu era pirralha de uns 6 anos) meus pais atendiam a conta de uma construtora, que havia comprado um terreno longe da cidade. O terreno na verdade não estava vazio. Ali se encontrava um parque de diversões abandonado, que em seus tempos àureos era conhecido como "Cidade da Criança". Eu mesma me lembro de ir a este parque enquanto ele funcionava, mas já estava decadente e com várias áreas desativadas. Naquele dia, eu me lembro, estava nublado. Somente eu e meu irmão andávamos por ali. Tudo estava muito sujo, com uma névoa preta e marrom por cima. As cores antes vivas dos lixos em forma de palhaço agora se escondiam sob lodo.

Os brinquedos haviam sido retirados em sua maioria, mas lembro de algumas xícaras gigantes apoiadas em uma estrutura de metal, cheias de água e lama. Os quiosques repletos de pinturas malfeitas do Mickey, Pluto, Snoopy e Mônica, sorrindo para um parque vazio, convidando pra comer um cachorro-quente. Entrei na Casa Maluca. As ripas de madeira estavam empenadas, com cogumelos e folhas secas por todo lado. Os espelhos haviam sido retirados, e apenas as marcas sobravam nas paredes azul claras. O silêncio era absurdo, quebrado somente pelo vento que estalava as madeiras apodrecidas, e empurrava as engrenagens enferrujadas dos brinquedos. Uma cadeira quebrada, virada com os pés para cima repousava no meio do corredor. As janelas estavam abertas, e muito lixo se acumulava ali. Vi por uma delas, algo que se assemelhava com uma figura humana estava parado lá fora, entre o mato crescido, cercado de galhos e ervas daninhas.

Saí da casa e ali na minha frente, estavam a Branca de Neve e os sete anões em tamanho real, feitos de fibra de vidro. Alguns anões não tinham cabeça, outros estavam perdidos no meio da grama alta. A Branca de Neve segurava algo em sua mão, erguida próxima ao rosto. Talvez um pássaro que já não estava lá. Ela tinha pintura somente na metade da face,e o que tinha sobrado de sua pele já não era branca neve, mas sim um tom ocre. Fios avermelhados cortavam o amarelo minguado de sua saia, um mistura de terra e fuligem escorria dos cantos da boca.

O tal passeio poderia ser uma experiência assustadora para uma criança, mas eu estava maravilhada. Os sentimentos que lugares abandonados despertam são muito diversos. Gosto de pensar que o passado das coisas desaparece, se desfaz, mesmo que seja um passado não tão distante. É melancólico e instigante ao mesmo tempo.

Já caminhou por uma rua e pensou como ela estará daqui a 50 anos? Ou olhou à sua volta, prestou atenção nas paredes que o cercam neste instante? Estariam elas de pé em algumas décadas?