31 de jan. de 2007

Fauna e Flora Urbana

Quando eu morava em minha cidade Natal, ia trabalhar todos os dias de carro. Aqui na capital, não tenho carro, moto e nem patinete. Vou de ônibus. Aprender a andar de ônibus não é difícil, o problema é entender as regras de etiqueta do transporte público. E, elas existem?

Nunca vi, portanto, vamos a algumas que eu elaborei ontem, enquanto era encoxada por 3 senhores nada respeitáveis, aspirando o suor do sovaco alheio.

1- No ponto: Ainda no ponto é preciso ter comportamento adequado. Se existem cadeirinhas, favor não ocupá-las com um monte de sacolinhas carregadas de potinhos com feijão, sacolas de feira ou sacolões cheios de cortinas pra lavar. Pacotes não têm bunda, portanto, não precisam sentar-se.

2- Entrando no veículo: Sem correria. Aos homens, favor não ficarem olhando para os traseiros das moças e já escolhendo quem vai encoxar lá dentro. Às senhoras, cuidado com suas trezentas sacolinhas. Aos estudantes, mochilada na cara dos outros não é bacana.

3 - Na fila: Por favor, fiquem com o dinheiro ou o cartão à mão. Procurar moedinha de cinco centavos nu fundo da bolsa, não pode. Principalemnte se houver uma fila com 19 tiazinhas da sacola logo atrás de você, fazendo a mesma coisa. É sacolada e bolsada pra tudo que é lado.

4 - Catraca: Não tente passar junto com as sacolinhas ou mochilas. Uma coisa por vez senão a catraca emperra, e nós ficaremos presos para sempre no universo paralelo das sacolinhas do carrefour repletas de tupperware. Com feijão dentro.

5 - Ao sentar-se: As cadeiras reservadas têm esse nome porque se reservam à pessoas em condições específicas. Não adianta enfiar a sacola debaixo da blusa e dizer que está grávida, ou começar a mancar. Procure não sentar no corredor sendo que a cadeira ao seu lado está vaga. É um porre pedir licença pra um tiozão de bigode e regata, e ser obrigada a passar o traseiro a 20 cm da cara dele só para acomodar-se.

6 - Em pé: A técnica é evitar ao máximo qualquer contato físico com os outros usuários. Atenção aos seus braços, mãos, sacolas e afins. Tente não ficar de pé em frente à catraca, emperrando a enxurrada de pessoas com mais sacolinhas querendo adentrar, ou em pé na frente da porta de saída. É perigoso. Aliás, se você insiste em ficar na frente da saída sendo que não vai sair, é melhor que caia no asfalto mesmo.

7 - Braços levantados: Se você é homem, cuidado se estiver usando camiseta cavada. Ninguém é obrigado a apreciar os pêlos que saem desvairadamente debaixo de suas axilas. É nojento. Aliás, se você é homem, esqueça que existe esse tipo de vestuário no mundo. Agora se você é mulher e tem pêlos desvairados embaixo das axilas, compre uma gilete. Ou se jogue embaixo do ônibus quando ele passar. Já o uso de substâncias desodorantes é mais que obrigatório. É pelo bem geral da humanidade. Ônibus já polui o ar, agora imagina um ônibus catinguento.

8 - Conversas: Fale sobre o tempo, sobre o trabalho, sobre a novela. Não fale da sua vida pessoal, ou se gabe de quem comeu (ou deu) ontem à noite. Esqueça assuntos polêmicos como “A Claudinha tinha que abortar” ou "a Bispa Sônia merecia apodrecer na cadeia". As senhoras com as sacolinhas podem te atacar. Não fale sobre seu cunhado que está na cadeia, ou do furúnculo que apareceu no seu dedão. Muito menos mostre o furúnculo. Ao celular então, papo rápido. Tentar convencer a Vincislaine a sair com você dentro da linha Caxambó-Igarapé lotada não é uma boa pedida.

9 – Leitura: “Brasileirinhas Safadinhas” não é material para leitura em transporte público. E seja qual for a sua leitura, não leia em voz alta. Nem a Bíblia. (muito menos).

10 – Comportamento para com os outros: Não peça desculpa pelo incômodo que está causando a nossa viagem, mas é que você tem 6 filhos e está desempregado, precisa comprar remédios para seu furúnculo (mostrando o furúnculo), sua sogra mora com você e o cachorro pegou sarna e que Deus nos abençoe com qualquer contribuição que pudermos dar.

Seguindo essas dez regrinhas básicas, a convivência dentro de um espaço tão ameaçador como o busão torna-se aceitável, e não remete a um local propício para a prática de estudos antropológicos de civilizações primitivas.